quinta-feira, 31 de julho de 2008

CAPA DO LIVRO
NOTA: A criação deste blog é a forma que o autor entendeu ser mais abrangente e logicamente menos onerosa de fazer uma “segunda edição”. Por tal, apenas serve para publicar através das novas tecnologias o livro que foi editado em papel em 2005 e da parte do autor terá um ponto final. Quem pretender, pode copiar, publicar e fazer uso destes poemas, desde que fazendo sempre referência ao autor e editor, sem ter que pagar quaisquer “direitos de autor”. Por tal, apenas solicito que me informem sempre que publiquem ou façam um link deste “blogbook”, podendo fazê-lo para o seguinte e-mail: eduardoroseira@gmail.com.



o sorriso de deus
de
eduardo roseira
(poesia)

Título : o sorriso de deus
Autor : eduardo roseira
Género: Poesia
Colecção : da palavra… - n.º 2
Revisão : António Luia
Edição, propriedade e distribuição:
lavra…
EDITORIAL
Rua Pereira da Costa, 156 - 2º.
4400 - 245 Vila Nova de Gaia
Portugal
Telemóvel : 966 238 966
e-mail : lavra.poesi@iol.pt
Arranjo gráfico : eduardo roseira (interior)
                            Júlia Meireles (capa)
Imagens da capa e contracapa : Luís Nogueira
ISBN : 972 - 99446
Depósito Legal : 228951/ 05
Tiragem : 500 exemplares
Ano de publicação: 2005


DEDICATÓRIA

aos sorrisos de
meus filhos helena e mário,
da minha mulher maria josé e também
aos sorrisos saudosamente presentes
da mãe alice e do meu “filho” filipe


POSFÁCIO *

O sorriso de deus constitui um exemplo feliz do que pessoalmente considero a boa poesia. Ora, se de «sob o cinzento manto» até «Construção» encontramos desde logo poesia de qualidade, verificamos que o poeta percebeu, de facto, que a poesia acontece quando o «papel sorri».
As palavras, na Poesia como na Vida, servem para comunicar, mas também para provocar reflexão e a observação, a constatação do real pela via da conjugação das palavras, como acontece em «eu / rio», ou na forma simultânea do «ser / peixe» poema de um intenso lirismo. E, um dos aspectos mais salientes deste livro é a economia dos versos que não querem dizer mais do que dizem e dizem muito em pequenas palavras. Exemplos? Em três versos se define com profundidade analítica a «tristeza» e a mesma contenção nos conteúdos poéticos expressa-se de uma forma lúcida em «mensagens».
Do Presente nos fala este livro e o Passado (re)aparece com os seus fantasmas, mostrando que o «trevo da sorte» pode ser (e é!), por vezes, o caminho para a morte. É a fortíssima presença das raízes plantadas num distante «Moçambique», regressando pela via da saudade que se evola de alguns dos poemas, com a aragem africana percorrendo quase todos eles, e parece mesmo contagiar, num sopro, as pequenas ondas do Douro…são as tais «memórias em riste» de «(d)existe», ou aquela introspecção sangrenta de «abate», quando Eduardo Roseira escreve: «tiraram-me o espaço / roubaram-me a tranquilidade / do meu mar. (…) agora, tal como os cavalos. / resta-me aguardar pelo…/ abate…»
Palavras como «suicídio», «solidão», «morte», «silenciosamente», caminham ora sarcásticas e cáusticas, ora melancólicas e frias, para um «desejo final» que é o de caminhar «para o infinito / em busca do futuro / que perdi.» E, crua mas lucidamente, Eduardo Roseira confessa: «sou eco de um grito / que dei / mas não ouvi.». De resto, são estas reflexões que o levam a interrogar-se, como Pessoa: «eu que sou eu, / tenho em mim outro eu. / que me ajuda a ser mais eu», numa aparente (mas só aparente) contradição. «Quem sou eu afinal?» constitui, quanto a nós, o vértice deste conjunto poético soberbo a que o autor chamou ironicamente (ou talvez não) «o sorriso de deus», esse mesmo «deus!? / essa imagem / que respeitosamente / ignoro.»
Se cada poema mereceria uma análise mais detalhada, o certo é que a leitura deste livro nos remete para um delicioso encontro com os sentimentos a darem as mãos, fraternais, às palavras-ferramentas de que o poeta Eduardo Roseira se serve.
Trata-se em suma, de uma obra a reter.

Parabéns e um abraço poético do
Fernando Peixoto, Dr.
(via e-mail: em 6/Julho/2005, 12h33)


*NOTA DO AUTOR: Este livro não teve prefácio, a razão de colocar esta apreciação é para o autor um valor acrescentado à sua obra, que o enche de orgulho e porque não dizer: - vaidade!


eduardo roseira, é poeta e jornalista
(Carteira Profissional – 2893).
Fundou e dirige desde 2001
a publicação literária e a Editorial
lavra… Boletim de Poesia.
Este é o seu segundo livro de poesia
Viveu em Moçambique entre 1962 e 1974.
Reside e trabalha em
Santa Marinha, Vila Nova de Gaia.
Nasceu na freguesia do Bonfim, no Porto…

…faz precisamente
neste momento
uns quantos anos,
meses, dias,
horas, minutos,
segundos,
que aqui cheguei!
(há quem diga: - nasci!...)

foi precisamente
às 13 horas e 30 minutos,
de 20 de fevereiro de 1951,
que eu comecei a morrer!








DEUSES


Terríveis vos senti sempre
Na imaginação.
Mas faltava-me a pânica emoção
De ver o vosso rosto verdadeiro,
Máscara desumana,
Sem possível piedade reflectida
No riso alvar e no olhar vazio.
Retratou-vos, temente, um trágico canteiro
A macetar na pedra os próprios pesadelos.
E é na mão do tempo corrosivo
Que confia
Quem, mortalmente vivo,
Vos desfia.

Miguel Torga, in: “Diário XIV”





“Escrever é a negação da morte.”
Lygia Fagundes Teles
(escritora brasileira)



o sorriso de deus
de
eduardo roseira





… ainda a manhã
vinha na casa de deus…
anónimo


sob o cinzento manto
esconde-se
a cidade

o sol
tarda
a despontar
para esconder
o alvorecer

…a manhã
ainda vem
na casa
de deus…


ERGUE-SE O DIA


acordado
pelo despertar
das gaivotas,
no meio de uma cama de nuvens,
estremunhado,
espreguiça-se
o sol…

…num esfregar
de olhos
ergue-se o dia.



CONSTRUÇÃO

acende-se
a ideia
na luminosidade
da palavra.

abriga-se
a palavra
na concha
do poema.

tinge-se
o papel
com a ternura
da tinta.



O PAPEL SORRI


silenciosamente,
de forma quase inaudível
o lápis sussurra palavras ao papel.
e o papel sorri.

letra após letra,
o lápis acaricia
a alva folha
que de felicidade sorri.

do lápis
as ideias brotam
sobre o papel
e ambos fazem nascer
a poesia.

lápis e papel
trocam afagos com letras.
dão abraços com palavras.
são sentimentos
através das ideias
e em conjunto constroem o poema
até à palavra fim.

(…o lápis cansado
deita-se em merecido descanso…
…enquanto de alma preenchida
o papel sorri.)


DOS SORRISOS


sai à rua
levanta a cabeça
fecha os olhos
e escreve uma lágrima
com um sorriso nos lábios.
                                    A. Loba


mesmo na rua
com o sol a rir-se
para o meu sorriso
o meu íntimo tem lágrimas…

apenas a angústia
e amordaçados sorrisos
são o que sobrou
da saudade
que trago na alma.

sei,
que mesmo
o mais natural
dos meus sorrisos,
não é nada comparado
ao sorrir
do filipe.



__________



a primavera
amanheceu triste.
só o teu sorriso sol
lhe dava algum brilhar.

nesse dia
respondeste ao apelo
que te fizeram
os anjos tristes…

…partiste
com um sorriso
de até breve…

“…porque os anjos precisavam de sorrir!”


ALICE NO CÉU


quando alice
chegou ao céu
tinha à sua espera
um anjo
com um sorriso
igualzinho ao seu.
ao vê-la, disse-lhe:
- entra, alice!
que o céu
sempre te pertenceu!

bem junto
à porta da entrada,
um grupo de anjos
colocou
um banco
com ripas de madeira…

…é nele que alice
sempre sorridente,
descansa a sua
canseira…



EU / RIO


é a negro
que escrevo
rio

uns chamam-no azul
outros ouro

eu / rio
que prossegue
cinza
negro
castanho

eu / rio
continuando
a dizê-lo
cor – antanho

eu / rio
com a cor
que se escreve
o rio
que finjo
assim

eu / rio
continua
rio
no
rio
que corre em mim
eu / rio




__________




espreito
e olho o rio
há uma ponte
que me chama
para a outra margem.

dentro do meu peito
sinto um vazio
ao olhar para além monte
a saudade por mim clama
como uma miragem.


SER / PEIXE


ser / peixe
voar
humedecer
as horas
sentir
o luar
iludir
o tempo.

ser / peixe
e ao sol
brincar
os dias
como meninos
com ideais
nas asas.

ser / peixe
voar sorrindo
no sonho
real
de todas
as manhãs
sem frio.

ser / peixe
em voos
nadar
e assim
saborear
todo o tempo
do amor
e da poesia.



TRISTEZA


…é ver os teus olhos baços
e sentir na saudade
a certeza do adeus.



__________



rubro chão
das cinzas
pasto
ardem
passados
com adiados
futuros

de negro
tombam
muros
na floresta
há corpos
que se afogam
em chão sangue
onde o sorriso
fenece
entre mistérios
reza
com mãos
rubras
em prece.


NAUFRÁGIO


lágrimas menino
mãos de mãe
agarram o céu
imploram
ao imenso

- ? porquê ?

entre lágrimas
e desfeitos sonhares
um pai
não volta…

o menino


                                           só


a mãe
na areia da praia
frente à maré vazia…

…de respostas…



__________



do céu
a ira sai
bombas saltam
sem regras.

do alto
nascem
rubros
clarões.

meninos
em ignorados porquês
recebem-nas
como incompreensíveis
castigos de deus / alá.

mãos
de mães
oram aos deuses
implorando
o fim da guerra.

lá longe
enquanto
não acontece paz
corpos de homens
jazem por terra.



MENSAGENS


era sempre do norte
que chegava o eco gritante
de mensagens morse cifradas
ditando códigos de morte
escritos a dor e sangue
noticiando esperanças ceifadas.




TREVO DA SORTE


de espingarda na mão
baixou-se para apanhar
um trevo
que dizem ser
dos da sorte.

ouviu-se a explosão.

foi quando se deixou agarrar
pelo vento que trazia
a aragem da morte.



A MEDALHA


de rapaz feito esperança,
a pátria, dele fez soldado.
partiu era eu uma criança
e rápido viu seu tempo caducado.

com uma arma na mão,
em nome do império partiu.
de seis meses era eu então
e no berço apenas me viu.

enviaram-mo feito mortalha,
dizendo-o herói da nossa grei,
trocando-mo por uma medalha.

foi bravura contra a “gentalha”.
eu de fotos apenas o sei.
- o meu pai é uma medalha!



__________



“quem das águas do xiveve[i]
beber, jamais a beira[ii]esquecerá.”

                                           dito popular


meu rio / minha cidade
meu todo das primaveras-flor.
rio / cidade
desta sorridente saudade.

meu rio / minha cidade
que navego
dia após dia
num ansiado regresso
em sonhos / almadia.

rio / cidade
que guardo
em risonha recordação
meu corpo
de tuas águas
já não bebe
mas sinto
o fresco sabor
que elas me dão.

meu rio / minha cidade
alma minha algemada
que vive tuas correntes
nestas águas furtadas.




MOÇAMBIQUE


traz futuro no olhar.
no peito guarda a esperança.
seus sonhos são imenso mar,
numa alma de criança.

de figura escultural
e bela.
com uma cintura delgada,
porte senhoril
e altaneiro.

corpo bem torneado
e de elegância divinal.
plena d’encantos,
rica e amável.

simples e de riso prazenteiro
na sua face rosácea.
forte como o embondeiro.
seu perfume,
mescla de caju e acácia.

sempre “chunguila”[iii] de chique!
de seu nome :
- moçambique



__________



ANIVERSÁRIO


com o andar da idade
na luta contra o tempo
é o nosso maior adversário.



SILENCIOSAMENTE…


silenciosamente…
momento
após momento.
vai roendo.
vai moendo.

silenciosamente…
é sofrimento
que pouco
a pouco
a estrutura
destrói.

silenciosamente…
calca…rói…
recalca…mói…
esmaga…dói…
silenciosamente…
silenciosamente…
silenciosamente…



(D)EXISTE…


memórias em riste
no passado se acoita.
como constante :
- o futuro agride.
insiste!
não vive, nem sobrevive.
apenas…
existe?
lutar?
reagir?
hum, a tal não se afoita!
mudar?
prosseguir?
não!

é feliz
se o presente açoita!
alegre/mente
no (só) seu palanque
assiste
ao desfilar pedante
da sua existência
triste.
todos os dias
com a memória
se deita.
no rancor
se levanta
de sentimento
obscuro
e assim se deleita
a matar o futuro.

nunca se cansa
de ser pêndulo
que balança
entre o
desiste
e o existe…



__________



quebra-se
o ritmo
ao corpo.

a morte

acosta
ao seu
porto.


ABATE


tiraram-me o espaço
roubaram-me a tranquilidade
do meu mar.

sei que sempre
fui um número
apenas.

número aposto
no barco que sou.

agora, tal como os cavalos.
resta-me aguardar pelo…
abate…




A CANETA E EU


certas vezes
encontro-me
de forma tal.
que me sinto
como a caneta
com que escrevo agora:
- com a carga a falhar.

ponho-me a meditar
e concluo que ela e eu,
somos iguais afinal:
- é usar e deitar fora!



SUICÍDIO!


afogo as minhas mágoas,
na tinta com que escrevo.
enforco as minhas tristezas,
nas linhas deste papel.
enveneno as minhas fraquezas,
com as palavras de amargura e fel.
este meu triste viver,
desejo p’ra sempre exterminar.
e é com as letras que estou a escrever,
que eu me vou suicidar!



ESTA SOLIDÃO!


esta solidão forçada,
na companhia do tudo...
que existe no nada.
esta solidão monge.
esta angústia do só,
que me acompanha
em mais uma noite.

esta solidão que me fustiga
até ao padecer,
como se fora um açoite.

esta solidão que insiste
e faz com que implore
pelo teu regresso...
... ou pelo meu anoitecer.



QUANDO EU MORRER…


quando eu morrer...
quero partir com um sorriso
nos lábios,
ficar na ignorância
dos sábios
e na lembrança
dos como eu
loucos.

quando eu morrer...
quero que nesse dia
todos os cães
abanem a cauda
e que os políticos
mudos se quedem
porque se esqueceram
da lauda.

quando eu morrer...
não quero lutos,
lamentos,
flores em palmas
e outras coisas que tais.
digam-me apenas até já!
com alegria,
palmas
e queimem-me
juntamente com os meus ais!



DESEJO FINAL


hoje,
para mim olhei!
e fiz-me pensar.

hoje,
todo eu calei!
pondo de lado
os desenganos.

hoje, parei!
deixando o tempo
por mim passar.

hoje vi passado.
olhei futuro.
sem ver anos.

hoje, olhei!
vi!
parei!
...e pedi:
— quando para mim
chegar o tempo
de nas águas profundas
do oceano das trevas,
navegar...
...quero que me queimem!
por favor!
e de louco me chamar
parem! parem!

mesmo aos que de mim,
em vida não tiveram dó.
eu peço, que me queimem (... continuem...)
aos que sempre me deram amor.
nada mais peço, a não ser que me queimem. só!
imploro-vos! por favor,
de mim façam pó.
depois, do meu pó
adubo façam.
pois se em vida, para pouco prestei?!
ao menos, quando já no além,
o meu nada, de alguma coisa possa servir.

pó!
façam de mim pó!
pó que dê força
a uma nova vida.
vida que seja flor,
que nunca murche.(... como eu.)

por este pedido
não me levem a mal.
é só um.
é o meu
desejo final!



INFINITO


caminho para o infinito
em busca do futuro
que perdi.
sou eco de um grito
que dei,
mas não ouvi.

ao chegar ao infinito
vou ver o que já sei
e ouvir também,
o eco do grito
que jamais
um dia dei.

sigo por caminhos
do desconhecido,
que me levam
ao infinito.
persigo algo
em mim incontido,
no abafar
de um grito.

para onde vou,
não sei?
mas isso pouco me importa!
porque o infinito
é mais além
do além que se atingiu.

o infinito...
nunca o alcançou ninguém,
porque ele sempre fugiu.



PLURAL SOLIDÃO!
                            ao Abdul Cadre

sou combatente
que de forma
voluntária
resiste.

a minha luta
é permanecer,
ganhando
esta insistência
de querer viver
em plural solidão!



FADO NOSSO…NOSSO FADO…
                                ao Fernando Pinto Ribeiro


fado nosso…
nosso fado…
triste sina
deste canto.
por vezes alegria
sorriso
encanto,
outras ironia
castigo
e pranto.

fado nosso…
nosso fado…
triste sina
com desdém.
dores alheias
muito nossas
nossas teias
sem ninguém.

fado nosso…
nosso fado…
triste sina
deste canto.
que cantando
destino
e morte
vai rimando
pena
com sorte.

fado nosso…
nosso fado…
triste rima
mar vazio.
vida que canto
e choro
mesmo até
quando me rio.


QUEM SOU EU AFINAL?


eu que sou eu,
tenho em mim outro eu.
que me ajuda a ser mais eu.

eu que sou outro.
consinto em mim outro eu.
que ilude este e o outro.

eu sou um
e sou outro.

sendo outro,
sou mais um.
que me ajuda
a não ser um qualquer,
igual a qualquer um.

eu sou bem.
o outro é mal.
sabendo que sou alguém!
pergunto:
— quem sou eu afinal?



O BAÚ


eu tenho um baú,
daqueles de estimação.

permanece sempre
a sete chaves fechado,
p’rá minha memória
fugir à tentação
de ir rebuscar
uma ou outra história,
ou mesmo aquelas coisas
que feriram o coração.

nunca abro o meu baú.
mas sei, (ah! se sei!)
uma a uma,
todas as marcas / histórias
que deixaram feridas que não quero........






ai! quem me dera poder rasgar certas memórias........



REENCONTRO


percorri
praças
ruelas
avenidas
travessas
até que numa
rua chamada saudade
à tua porta bati.

abriste
com o teu
sorriso franco
inundando-me
a alma
com um tormentoso
rio de lágrimas
silenciosas.

………
………

sem o habitual beijo
despedi-me.
tu sorrindo
deixaste a porta
aberta…



COMBÓIO


lágrimas água,
rio cantadas.
lágrimas idade,
saudades levadas.

mágoa, alegria,
saudade em passagem.
comboio que um dia
descarrilou na viagem.



DEUS!?

(na missa de corpo presente pelas vítimas do desastre aéreo, no dia 10 de Dezembro de 1999, na ilha das flores, açores, o padre a dada altura questionava o seguinte:
- ... onde estava deus, quando isto aconteceu?...)


deus!?
onde andará
o deus de todos os milagres
em troca de interesseiras promessas.
esse ser omnipresente,
mas das misérias e desastres,
sempre longe de ausente?

deus!?
onde estará esse deus,
bom e piedoso?
que nos vendem,
entre fausto glória.
quando na sua casa,
mesmo junto à soleira,
o que se vê, não reza a história.
são os sem abrigo, os pedintes
e gente sem fé, nem beira.

deus!?
essa imagem
que respeitosamente
ignoro.
é um ser, que não tem rosto!
para nele não se ver, talvez,
as marcas de tanto
e tanto desgosto!

deus!?
esse deus
a quem multidões imploram com fervor,
por vezes com falsa fé.
é um deus sem cor!
pois ninguém sabe
de que raça ele é!

deus!?
o deus omnipotente
a quem imensos chamam de seu.
talvez se viesse ao mundo
em forma de gente,
seria de todos,
o maior ateu!



O SORRISO DE DEUS

“o sorriso de deus aparece de vez em quando, junto da morte.”
Franscisco José Viegas, in: lourenço marques


fado
destino
sorte

tempo caducado
fim de viagem
simplesmente…


…morte!


surge quando
o sorriso de deus
aparece e nos dá
o adeus…


…final…



INDÍCE (igual à paginação do livro)

8 - …ainda a manhã…
9 - ergue-se o dia
10 - construção
11 - o papel sorri
12 - dos sorrisos
13 - a primavera…
14 - alice no céu
15 - eu / rio
16 - espreito…
17 - ser peixe
18 - tristeza
19 - rubro chão…
20 - naufrágio
21 - do céu…
22 - mensagens
23 - trevo da sorte
24 - a medalha
25 - meu rio / minha cidade…
26 - moçambique
27 – aniversário
28 - silenciosamente…
29 - (d)existe…
31 - quebra-se…
32 - abate
33 - a caneta e eu
34 - suicídio!
35 - esta solidão
36 - quando eu morrer…
37 - desejo final
39 - infinito
40 – plural solidão
41 – fado nosso…nosso fado…
43 - quem sou eu afinal?
44 - o baú
45 - reencontro
46 - comboio
47 - deus!?
49 - o sorriso de deus

50 - ÍNDICE

52 - fim
53 – testamento



__________



FIM


do tempo que me resta,
não dá para um só poema escrever.
a acabar está a festa,
mas não a rima que comigo teima em viver.




TESTAMENTO


com profundo agradecimento
nestas linhas lavro
o simples testamento
de poeta desencantado,
pois acabada que está a festa
a quem quiser,
em doação eu deixo,
o que de mim resta :

- as minhas tatuagens,
em forma de (in)visíveis
cicatrizes.



__________



Minhas palavras serão meus restos mortais;
o vento meu único epitáfio.


Milton de Sousa Lima
(Poeta brasileiro)






[i] Xiveve –rio de Moçambique.
[ii] Beira – cidade de Moçambique.
[iii] - Chunguila - Bonita

Contra-capa do livro